segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Velhinhos de Londres

Já que o tempo é impiedoso, que a velhice seja, ao menos, generosa. E que venha assumida, confortável, autêntica e até um pouco ousada. São assim os velhinhos que tenho encontrado, aos montes, aqui em Londres. Difícil passar por uma rua em que não se veja ao menos uma pessoa bem idosa, sozinha ou acompanhada de seus pares. Sempre falando com alguém ou até confabulando com os próprios botões, tocam suas vidas com independência, apesar dos prováveis reumatismos, artrites, artroses e outros ismos, ites e oses.  A diferença é que, aqui, as eventuais  limitações físicas não os impede de sair de suas casas  para ocupar os bancos das praças ou dos ônibus, que, aliás, são preparados para facilitar o acesso aos passageiros, inclusive cadeirantes.
Da janela deste apartamento, acompanho, quase todos os dias, a movimentação de uma senhora bem idosa, que, anda curvada, empurrando sua sacola/bolsa xadrez de rodinhas. Sempre de "rouge" e batom, um colar de pérolas ou um lenço colorido no pescoço, às vezes um turbante ou um chapéu. Lá vai ela, orgulhosa de si, seguindo com seu passinho lento pela avenida e exibindo seus tênis dourados! Nenhum espanto. Nenhuma censura. As pessoas aqui andam como bem entendem. Ninguém se incomoda com a vida dos outros, no quesito aparência. É por isso que algumas velhinhas têm  cabelo cor de prata e outras cabelo azul. Algumas usam chapéus extravagantes e floridos. outras vestidos estampados ou de bolinhas enormes. E há até as que usam capa de chuva amarela! O visual é o mais diversificado possível não só o os jovens, como  o dos velhinhos da cidade. Flores na cabeça. Saia rodada de renda, curta ou comprida, com ou sem calça fuseau por baixo. Paletó estampado, listrado ou  xadrez. Gravata borboleta. Vê-se de tudo entre esses velhinhos estilosos. Há até os que continuam  roqueiros de alma,  com jeans surrados, inúmeras tatuagens e cabelão minguado, abaixo dos ombros.
Mas uma coisa é certa: os sapatos, por mais ousados ou caretas que sejam, serão sempre confortáveis. E as bolsas, para não pesarem, serão pochetes minúsculas ou sacolões enormes com rodinhas.
Nem mesmo as diferenças sociais parecem afetar a excentricidade da população idosa daqui.  Vê-se velhinhos elegantíssimos de camisa amarela, cashmere azul bebê e calça de veludo roxo e também mendigos chiquérrimos de terno de lã puída ou  de casaca preta,  lustrosa pelo tempo. E, se forem ingleses, todos exibirão um ar solene de dignidade, misturado a essa tendência um tanto ousada no vestir.
O melhor de tudo é vê-los integrando a paisagem, amparados pela segurança de andar sem perigo por onde bem entenderem e resguardados pelo absoluto desinteresse pela  aparência alheia.
Nos pontos de ônibus, nos parques, nos cafés e nas praças, esses velhinhos querem rua.
E as ruas parecem querê-los também.

6 comentários:

  1. Zi, aprecio demais a maneira como descreve o que vê. Quanta sensibilidade.

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  2. Bom te ver por aqui e saber que está gostando dos meus escritos, Ana!
    Beijos

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  3. Zi, nem preciso te dizer que antes mesmo de te conhecer melhor na Jiló, já acompanhava teus álbuns de viagens, e viajava direto neles. Adooorooo...Bjus*

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  4. Todos seus relatos são com muita delicadeza, riqueza de detalhes, o que tornam a leitura extremamente prazeirosa e agradável.

    Isso é a Zi: agradável, sensível, delicada.

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  5. Zi, estou curtindo muito esse seu blog, o modo como vc conta é uma delícia, parece que ouço vc falando, muito gostoso.

    aproveite muito e continue nos brindando com belos posts, é um prazer vir aqui!

    beijo
    Ju

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  6. Bom mesmo é ter amigas como vocês! Obrigada pelas visitas e pelos comentários. Muitos beijos a todas

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