sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A Atenas dos meus sonhos e a dos meus pesadelos

O Sonho




Desde menina, sempre sonhei em conhecer a Grécia. Encantavam­-me as fábulas de Esopo, que minha mãe lia para mim na cama e, na escola, a matéria de que eu mais gostava era História Antiga, com destaque para Esparta e Atenas. Na adolescência, optei pelo antigo Curso Clássico para fugir da matemática e estudar filosofia. Sócrates, Parmênides, Aristóteles, Platão apresentavam-­me um universo de questões e teorias que me faziam me sentir especial em relação aos pobres mortais, que nem suspeitavam o que era o devir. Alimentei o sonho de conhecer Atenas por muitos anos, mas só fui realizá­-lo em 2006, na companhia de três das minhas amigas mais queridas, Maraíza, Zenaide e Leni.






Chegamos à noite, e nos hospedamo­s num hotelzinho em Plaka, um dos bairros mais animados de Atenas. Deixamos as malas nos quartos e logo saímos para passear pelos arredores e para jantar. Aquele era meu primeiro dia de férias, depois de uma temporada muito pesada de trabalho, e eu estava absolutamente exausta pela viagem. A comida não me caiu bem, mas eu não liguei. 






No dia seguinte, sob um sol escaldante, lá fomos nós para a Acrópole. Quem já esteve lá sabe que a subida é bastante penosa e escorregadia, mas eu, morrendo de sede e queimando ao sol, só pensava em chegar ao Partenon, lá no alto da Colina.  

Queria que minha chegada aos monumentos sagrados fosse reverencial, quase triunfante, mas não deu para ser assim. Eu não me sentia nada bem, o calor era insuportável, não havia um único lugar onde eu pudesse conseguir um pouco de água para beber e havia turistas de todos os lugares do mundo para todos os lados. 










Mesmo assim, eu tentava me concentrar, sentir a força daquelas edificações que atravessaram tantos séculos, imaginar Aristóteles caminhando por ali com seus discípulos. 

Do alto do Partenon, a vista que se tem de Atenas é deslumbrante, mas minha visão se embaralhava e  sequer consegui aproveitar a visita ao Museu da Acrópole. 

Eu sentia uma fadiga extrema e a volta me pareceu ainda mais difícil do que a subida. Minhas amigas estavam felizes e animadas e eu não entendia porque eu estava tão sem energia.

Castigo dos deuses? Naquela mesma noite, os vômitos começaram em jatos violentos.  Isso foi só o começo. Depois, passaram a vir acompanhados de forte desarranjo intestinal, o que me levou a ficar completamente desidratada. Ainda de madrugada, fui levada por minhas amigas para o hospital indicado pelo gerente do hotel, onde passei por uma das piores experiências de minha vida.



O Pesadelo








O Helenik Democratia, era um hospital público, antigo e superlotado, onde todo o corpo médico, enfermeiros, atendentes e pacientes falavam alto ­ como se estivessem brigando o tempo todo, e se movimentavam de lá para cá, de forma rude e estranha. 

Apenas um médico falava inglês e uma de minhas amigas, a Maraíza, conseguiu explicar a ele a minha situação. 

Encaminharam­-me, então, para um ambulatório lamentável, sujo, numa maca ensebada e sem forro. Eu estava passando muito mal e uma enfermeira sem a menor higiene e paciência espetou­-me, com grosseria, uma agulha para me colocar soro, falando alto e rispidamente sem parar. 

O médico havia pedido também um exame de sangue, um eletrocardiograma e uma ultrassonografia do abdômen e como eu estava muito fraca e não conseguia manter­-me em pé, fui colocada numa cadeira de rodas e conduzida para uma outra ala do hospital, de um jeito tão veloz que parecia que eu estava participando de uma corrida. 

Minha barriga doía a cada chacoalhada e minhas amigas tiveram de correr muito atrás do enfermeiro que me conduzia para não me perderem de vista. Quando o enfermeiro chegou a essa outra ala distante, simplesmente largou- ­me ali, sem nada explicar. Também nem adiantaria, nenhuma de nós falava grego. 

Ficamos ali esperando por muito tempo e eu comecei a piorar. Fui perdendo a cor e desfaleci por completo. Minhas amigas começaram a gritar e só, então, os enfermeiros tomaram uma atitude e me colocaram deitada naquele chão imundo. Um médico foi chamado às pressas, fez algumas manobras para eu recobrar os sentidos e, depois de fazer todos os exames de imagem necessários, resolveu me internar.



Deita, que tem mais pesadelo






Maraíza foi cuidar da internação, cheia de burocracia e brutalidades no trato. Quando ela voltou com a papelada, colocaram­-me numa maca e uma nova corrida teve início em direção a outra ala do hospital onde eu seria internada. 

O enfermeiro corria tanto com a maca, que a Zenaide e a Maraíza não conseguiram segui-­lo. Somente a Leni conseguiu entrar no elevador, antes que a porta se fechasse. Quando descemos no quarto andar, porém, ela foi impedida de seguir a meu lado. 

Largaram-­me bem no meio de uma enfermaria cheia de velhinhas muito doentes. Algumas gemiam muito, outras repetiam, sem parar, uma espécie de mantra grego, como se fosse um lamento. 

Eu continuava na mesma maca sem revestimento, sem lençol para me cobrir, sem minhas amigas, rodeada de moribundas estranhas, que não falavam a minha língua e à mercê de enfermeiras rudes, sem a mínima noção de higiene e de polidez. 

De vez em quando mexiam em mim bruscamente, perguntando alto coisas que eu não entendia. Eu estava péssima. A perspectiva de passar a noite ali me apavorava. Talvez  morresse ali sozinha. 

Era o auge do pesadelo.








Para completar, uma enfermeira entra com um carrinho de refeições e deixa uma bandeja com um prato de macarrão branco e um pedaço de frango engordurado em cima de minha barriga dolorida. 

Eu mal podia me mexer com aquilo pesando em cima de mim e gritei em inglês que não podia comer nada daquilo.  

A mulher não entendia e gritava mais alto do que eu, em grego. Eu comecei a fazer gestos para ela levar a bandeja e ela foi ficando cada vez mais brava. Por fim, retirou a bandeja e eu vi que minha amiga Leni estava ali a meu lado. Ela tinha conseguido entrar às escondidas. 

Também estava horrorizada com aquele lugar e imediatamente começamos a pensar num jeito de fugir dali. 

Maraíza e Zenaide durante todo esse tempo estavam tentando nos localizar. O Hospital era imenso e elas começaram a ser perseguidas pelos seguranças. Chegaram a ser expulsas de alguns lugares, mas insistiram na  busca até nos encontrarem. 

Agora eram três a pensar  num jeito de me tirar dali. 

Enquanto isso,  eu cochilava de fraqueza na maca.







Meu sono era interrompido a todo instante pela gritaria das enfermeiras, pelo gemido das pacientes e pelos médicos (mais dois) que vieram me examinar. 

Chegavam perguntando tudo em grego, levantavam meu vestido até o pescoço sem a menor cerimônia, e,  quando falavam alguma coisa em inglês, faziam de novo todas as perguntas que o médico que me internara já fizera.

Como sou alérgica a uma série de medicamentos, minha amiga mostrava-­lhes a lista dos medicamentos proibidos e eles faziam cara de surpresa. 

Ninguém parecia saber o que fazer comigo. Uma desorganização absoluta, coisa de doido! 

Minhas amigas disseram a um dos médicos que se responsabilizavam por minha saúde. Perguntaram se eu poderia ir, quando  o frasco de soro que eu estava tomando acabasse. 

Ele não quis se comprometer. Não respondeu nada, mas a enfermeira retirou o acesso do meu braço quando o soro acabou e não colocou outro. 

Entendemos que aquele era o sinal.

                                                                    

A Fuga





Assim que a enfermeira saiu, minhas amigas me ajudaram a levantar da maca e a calçar meus sapatos. 

Fui apoiada por elas até um imenso corredor, onde me esperava uma cadeira de rodas quebrada e enferrujada, que elas encontraram num canto. 

Não foi fácil sair dali. 

Tivemos de percorrer um longo caminho, denunciadas pelo nada discreto nhec nhec da roda quebrada da minha cadeira, que elas empurravam como podiam. 

Saímos pelos fundos do hospital e quando, enfim, alcançamos a rua, mais uma dificuldade. 

Não conseguíamos pegar nenhum táxi para nos levar de volta ao hotel. É que, em Atenas, os táxis só aceitam passageiros que vão para a sua própria rota, e, ao pará-­los, os taxistas recitam em grego essa rota, já que a maior parte deles não fala inglês. 

Assim, levamos mais de uma hora para conseguir quem nos levasse. Cheguei ao hotel muito fraca, completamente debilitada, mas feliz por ter sobrevivido a essa aventura grega. 

Em seguida, chamamos um médico particular, que me prescreveu repouso, dieta e antibióticos, o que sabotou grandemente minha tão sonhada viagem a Atenas.

Hoje percebo que minha visita a Atenas foi uma verdadeira Odisséia. Quiseram os deuses que eu fosse testada para depois obter a recompensa? 

Não. Não foi o dom da imortalidade que recebi depois do que passei em Atenas,  mas a sorte de ter amigas verdadeiras, que tudo fizeram para cuidar de mim, e a de poder, ainda, aproveitar a viagem, conhecendo outros lugares maravilhosos da Grécia, como Delphos, Mykonos, Santorini e Creta. 

Foi incrível!  Mas isso fica para uma outra vez.

Efigaristó para sempre, meninas!



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